sábado, 27 de dezembro de 2008

À serviço do SPC

A iluminação natalina jamais será esquecida pelos natalenses, principalmente por aqueles que residem na Zona Sul e nas áreas elitizadas da Zona Leste, isto é, os bairros de Tirol e Petrópolis. Porém, quero contar-lhes a história de Vandame da Silva, morador do bairro Felipe Camarão, Zona "Pooow...oeste" de Natal, cuja vida foi radicalmente modificada pelas lâmpadas dos enfeites natalinos.

Vandame foi expulso do interior devido às condições sub-humanas da seca. Portanto, mora em Natal há pouco tempo. Aqui no litoral, trabalha como operário da construtora Moura Dubeux. Ele sempre retorna para casa de ônibus, em pé, durante 1 hora e 30 minutos, no longo caminho da Zona Sul para os bairros mais precários da cidade.

Ao voltar para casa, em um dia próximo às festividades do Natal, Vandame ficou perplexo com a iluminação natalina da cidade. O pequeno detalhe do enfeite, o modo como as lâmpadas piscavam e as luzes coloridas das avenidas mais movimentadas da Zona Sul surpreenderam Vandame. Mesmo em pé no ônibus, o trabalhador manteve seu pensamento ligado à iluminação. Achou, por um momento, que ela conduzi-lo-ia por algum caminho, algum destino já conhecido.

Após descer do ônibus, Vandame caminhou em direção a sua casa, imaginando que, cedo ou tarde, a iluminação natalina chegaria àquele bairro tão carente. Ele encontrou sua mulher sentada na calçada e deu-lhe um beijo na bochecha, como sempre. Porém, pensando na iluminação natalina, ignorou o aviso que sua amada dá em seguida:

- Um hômi todo aprumado veio aqui em casa hoje e cortou a nossa luz. Ele vai pegá nossas coisa se nós não pagá a conta em breve -, disse Dona Maria, sua esposa, uma mulher franzina e de má aparência.

Vandame encaminhou-se para casa e pegou a única chave que havia em seu chaveiro. Ao entrar, ele não percebe que a casa fora mergulhada num breu absoluto. Seguiu direto para o quarto, embalado pelas luzes da Zona Sul e pôs-se a sonhar. Sonhou que essas luzes estavam chegando a Felipe Camarão na velocidade da luz.

No dia seguinte, Vandame foi acordado por Dona Maria, que estava desesperada. Alguém estava batendo à porta:

- COSERN! COSERN!
- Mulher, por que ainda tu não abriu a porta?
- Porque é da COSERN.
- Mulher, não deve ser nada demais. Provavelmente, é algum funcionário que veio avisar que a conta de luz está atrasada. Não tive dinheiro suficiente para pagá ela. A gente tamos usando a mesma quantidade de luz, mas, diacho, a conta aumentô mais de 20 reais!

- É melhor fingí que nós não está em casa.
- Não, mulher, abra logo a porta. Não quero me irritar por não ter resolvido logo essa situação, e aí, pode sobrar pra você -, disse Vandame, apontando a palma da mão para o rosto de Dona Maria.
Dona Maria encaminhou-se até a porta e abriu. Assim que o fez, um homem invade o precário lar do casal e começa a procurar por alguma coisa em uma bolsa. Tal homem estava trajando o uniforme da COSERN, empresa que fornece luz e que patrocina, por meio do aumento na conta de luz dos moradores da cidade, a iluminação natalina do Natal em Natal. O funcionário da empresa de luz retira um papel de dentro da bolsa e o lê:

- Estou procurando pelo Sr. Vandame Pereira da Silva.

- Eu mesmo -, disse o operário da Moura Dubeux.

- Vim informar que o seu nome está sendo encaminhado para o SPC. Até que o senhor não resolva essa situação, a COSERN precisará levar um de seus eletrodomésticos para cobrir a dívida. Podem entrar! -, disse o funcionário a outros colegas de profissão que estavam do lado de fora da casa.

Vandame assistiu, perplexo e sem reação, à cena na qual os funcionários da COSERN retiraram a TV de 14 polegadas, novinha em folha, paga durante 1 ano todo de trabalho. Depois que a televisão fora retirada, o funcionário anotou, num papel à parte, o endereço e o telefone do Serviço de Proteção ao Crédito e retirou-se da casa. Vandame, em seguida, amassou e jogou o papel com as informações sobre o SPC no lixo. Ele, segundo ele mesmo, não era mais ingênuo e alienado, pois sabia que não conseguiria a televisão de volta. Já tinha tentado ir em busca dos seus direitos outras vezes, mas seu esforço tinha sido em vão. A solução encontrada por ele foi juntar novamente o dinheiro para comprar uma nova televisão.











Prefeitura do Natal: Compromisso com o embelezamento da Zona Sul da cidade, prejuízos para você!

3 comentários:

Unknown disse...

Futuro Reporter gostosinho, gostaria de dizer que esta historia nao eh um privilegio apenas de Natal. Alastra-se pelo país de forma que hoje somos um país com direitos no papel e uma ralidade medíocre.
Muito bom seu texto, eloquente e original.. continue escrevendo..

xD

R3N4T0 disse...

Não quero defender ninguém nem puxar sardinha pra lado nenhum. Mas alguns fatos:

- A iluminação também chegou a zona norte, visite a itapetinga para ver como ficou linda.
- Vandame deveria procurar se educar financeiramente pois não deveria deixar a conta de luz atrasar. Ou procurar a cosern para ser classificado como consumidor de baixa renda e receber subsidios do governo.
- Os aumentos das tarifas de energia são regulados pelo governo federal, se ele não esta satisfeito deveria procurar mudar o governo.
- A cosern, e nenhuma empresa, não toma bens da forma como a descrita, mesmo q a tv fosse não paga ela so poderia ter sido retirada da residência em caso de execução judicial, portanto a lei favorece aos devedores. A inclusão no SPC já é a punição que o comércio dá aos devedores, impedindo-os de consumirem utilizando credito (coisa que 90% da população faz).

Viva o Capitalismo! Viva o Brasil!

Elis disse...

Como imaginei, um texto altamente crítico, de uma pessoa que não se deixa moldar pela alienação que a sociedade quer impor.
Concordo com Morpheus, nossos direitos existem no papel, mas na hora de cumprí-los, voltamos à estaca zero.
Keep on writing :)