quinta-feira, 23 de abril de 2009

Just like a circus

Quando você diz que tem saudades de mim, torno-me aquele leão esbelto, admirado, mas também aquele leão domado.

Quando você diz que fica alegre na minha presença, torno-me aquele tigre respeitado e temido, de pelagem macia e escovada, mas também aquele tigre domado.

Quando você diz que adora o meu carinho, torno-me aquele trapezista, que se joga de uma corda para outra, que rodopia e consegue efetuar o movimento com perfeição, mas também aquele trapezista que faz uma coreografia predeterminada para ludibriar o público, para enganar a si mesmo.

Quando você diz que eu já o conquistei, torno-me aquele mágico, que impressiona a platéia com seus números, mas também aquele que possui truques para ludibriar o público, para enganar a si mesmo.

Quando você diz que se sente ótimo com meus beijos, torno-me aquele malabarista, que consegue manipular 3, 4 e até 5 bolinhas com muita destreza, mas também aquele que segue técnicas malabares para ludibriar o público, para enganar a si mesmo.


Mas, como a arte imita a vida, nem só de esplêndidas apresentações vive o "circus".


Quando você diz que atrapalha minha vida, torno-me aquele faquir, aquele que sente um desconforto, uma dor muito grande ao deitar-se na cama de pregos.

Quando você diz que deixou de perceber meu valor, torno-me aquele engolidor de fogo, aquele que sente o poder desse elemento penetrando em seu coração e queimando tudo de bom que havia sido armazenado.

Quando você diz que não gosta de mim da maneira que eu mereço, torno-me aquele equilibrista, aquele que não consegue concluir seu movimento e sente o mortífero impacto de cair no chão.

Quando você diz que não me ama, torno-me aquele artista que arrisca sua vida ao participar do número do atirador de facas. As facas são essas tuas palavras, que convergem e atingem em cheio o coração.

E, finalmente, torno-me o palhaço, aquele que entra no picadeiro para anunciar o final do espetáculo. "Criançada, o espetáculo acabou. Mas o 'circus' é intinerante, portanto, aguardem a próxima temporada."

sexta-feira, 13 de março de 2009

Ainda sem ponto final no final

Aviso: Trata-se de uma obra de ficção. Portanto, qualquer semelhança com alguma situação real não terá sido, certamente, uma mera coincidência.


Quinta-feira, 12 de março de 2009.


Amanheceu. Nota-se da janela que o dia está lindo. O apartamento oferece conforto e liberdade. Acredita que esteja preso. Um papo pseudo-agradável no msn. Alguns programas interessantes veiculados na TV distraem. A sensação de mal-estar permanece incomodando. Decide sair.


Lá fora, afirma para si mesmo que iria à academia. As músicas são empolgantes. Reanimariam o estado de espírito. Na academia, depara-se com o cinza, o preto e poucas pessoas. Tem a sensação de que está levantando duzentos quilos. Termina a sessão. Retorna para o lar. Sente que algo bom está para acontecer. O dia continua lindo.


Chega no apartamento. Liga para um amigo. Faz um convite. O convite foi aceito. Vão comer um hambúrger numa dessas lanchonetes de calçada de avenida de Zona Sul. Decide ir a algum lugar para melhor conversar. O telefone toca. É um amigo de um amigo. Todos estão em um barzinho também de zona Sul. Um papo pessoalmente agradável. Outro amigo aparece. Conversam sério. Conversam friamente. Acredita que o importante somente é estar entre amigos. A noite chegou. Está estrelada. As nuvens em tons alaranjados parecem trazer alguma boa nova. Decide voltar para casa. Já estava ficando tarde.


Pega um ônibus para casa. O cobrador e o motorista mostram-se tristes e cansados. Devem ter trabalhado muito. Não é motivo para alterar esse estado de felicidade que tinha. O ônibus prossegue seu caminho na noite de vento gélido. Muitas estrelas. Os outros passageiros parecem muito tristes também, como se alguma coisa muito ruim tivesse acontecido. "Seja Legal", diz um papel colado próximo a uma das lâmpadas do ônibus. Sorri. Está na hora de descer.


Dois marinheiros cuidavam da segurança da vila naval. Não há mais ninguém nas ruas. O vento gélido castiga. Não é capaz de fazer com que o sorriso no rosto desapareça. Estava com os amigos. Estava feliz. Chega afoito no apartamento. Queria contar como tinha sido o dia. Ele está lá. Online. A felicidade atinge seu ápice. É envolvido por um emaranhado de pensamentos. Carnatal. Fotos. Noites em boates. UFRN. Aristóteles. Cinema. Beijo. Pênis. Começa a chover repentinamente. "Você vai encontrar alguém que te dê o valor que eu deixei de perceber."















































Vazio

sábado, 31 de janeiro de 2009

Pseudo-esperança

Amanheceu. Porém, não é hora de voar para a zona sul a fim de garantir a metade do pão de cada dia. É primeiro de janeiro de 2009, o não tão famoso dia da confraternização universal. E é por isso que, talvez, nem todos comemoraram a chegada da nova administração ao Palácio Felipe Camarão. Somente o povo que a elegeu deveria confraternizar. Como? Ela é esperta, conhece os indivíduos que a elegeram. Se o povo não tem condições de deslocar-se, mesmo com tarifa reduzida, ela o faz até Felipe Camarão.

Vandame e família não fugiam a regra. Todos estavam ansiosos pela chegada de tal importante ser ao comando da cidade. A partir de agora, haverá remédios nos hospitais, mais praças serão construídas para as crianças brincarem dignamente e, finalmente, a cidade não ficará submersa ao final de longos e intensos períodos chuvosos. Enquanto as crianças e o marido tomavam banho, Dona Maria revelou que gastou suas poucas economias para comprar roupas na Controle Confecções. Todas elas verdes, é claro, com o intuito de combinar com aquela situação esperançosa. A família acreditava que grandes mudanças seriam experimentadas em breve. E assim o dia foi caminhando...

Eis que todos, à noite, estavam prontos para festa. Durante a caminhada para a praça principal do bairro, as crianças reuniram-se a outros pequenos, todos muito animados, pois nunca viram algo parecido na comunidade. Ao chegarem lá, todas as pessoas impressionaram-se com a mega infra-estrutura montada, que continha um palco com jogo de luzes, vendedores ambulantes comercializando todo tipo de bebida e uma figura inquietante e intocável no centro do palco: uma enorme borboleta verde sem nenhuma imperfeição.

E o show começa! Estranhamente, a banda local contratada tinha no set list músicas com temática sinistra, tais como a música da "zumbizeira" e a do "morto-vivo". Contudo, a animação é uma constante entre os espectadores. Depois de transcorridas algumas horas de show, ela surge: uma mulher, com o cabelo castanho e de um liso lambido, de baixa estatura, trajando roupas verdes impera no centro do palco. Por um momento, Vandame percebe as várias imperfeições dessa mulher, ou seja, os pés de galinha ao redor dos olhos e uma rede de rugazinhas percorrendo todo o rosto dela. Porém, bastou olhar para a "pequena borboleta" para as imperfeições sumirem. Em seguida, começa o discurso:

- Boa noite, meu povo! (em meio a gritos da multidão) Em primeiro lugar, gostaria de agradecer a banda por promover tão espetacular festa. Em segundo lugar, gostaria de dizer que nós chegamos ao poder. Agora, meus irmãos, a prefeitura é do povo! (aplausos) Sendo assim, apresentarei algumas propostas em primeira mão. Para a saúde, implantaremos...

Enquanto isso, aquela que se intitulava a prefeita do povo continuava a lançar suas propostas, muitas das quais não foram compreendidas pelas pessoas presentes, visto que a prefeita utilizava, em sua oratória, vocábulos bem rebuscados. Mas o carisma da mulher e, principalmente, da borboleta intocável no centro do palco exerciam uma força indescritível naquelas pessoas.

Ao término do discurso, os espectadores, bestializados, imediatamente despertaram e aplaudiram intensamente. O show continuou, mas Vandame tinha consciência de que iria trabalhar no dia seguinte para repor os gastos da confraternização e das roupas verdes. Portanto, retirou-se, juntamente com sua família, após o discurso. Assim que chegaram em casa, todos foram dormir. Durante o sono, Vandame pensou em tudo que acontecera naquele dia: as propostas daquela mulher, as imperfeições do rosto dela, a alegria da população ao ouvir aquelas músicas esquisitas. Porém, diante desse emaranhado de pensamentos, somente a borboleta intocável fixava-se bem. A lembrança que ele tinha desse ser era tão perfeita quanto a própria, tão perfeita quanto a futura Natal que ele teria agora e nos próximos 4 anos. A borboleta renovou a esperança do patriarca da família Silva.

Amanheceu. É hora de voar para o trabalho. Esse era o maior desejo de Vandame no dia 02 de janeiro. O trânsito da Zona Oeste, já complicado por causa dos inúmeros buracos e as ruas não asfaltadas, piorou devido à fila de caminhões com toda a infra-estrutura do show de comemoração. Já na altura de Lagoa Nova, o ônibus no qual se encontrava Vandame conseguiu ultrapassar tal fila. Nesse momento, o patriarca, com muito esforço, visualizou, de relance, a borboleta intocável da festa toda desmontada e o que não estava visível ao público no dia: a parte de trás da borboleta sequer estava pintada de verde, além das várias imperfeições e do mal acabamento. O tempo passava rapidamente e o desespero de todos os trabalhadores aumentava. Todos clamavam ao motorista para que ele acelerasse a viagem enquanto que Vandame apelava para as forças divinas a fim de que o ajudasse. Não existe Santa Borboletinha, Vandame!

Quando conseguiu sair do coletivo, o patriarca tentou, mas não conseguiu chegar a tempo no local de obras de um condomínio da Moura Dubeux e foi chamado ao escritório do patrão:

- Sr. Silva, estamos em tempos difíceis. Embora o senhor tenha se destacado como funcionário do mês, todo e qualquer problema problema será utilizado contra você. Mesmo que tenha se atrasado por 10 minutos, o senhor está demitido! Temos de fazer cortes e, para tanto, estamos utilizando qualquer desculpa. É a crise!


Moral da história: Todas as coisas se parecem com seus donos. Em tempos de crise, a pseudo-esperança, também.